Aplicação da neurociência cognitiva ao marketing

Nos últimos anos, o marketing passou por uma profunda transformação. Hoje, áreas como a neurociência cognitiva oferecem insights mais objetivos e precisos sobre como as pessoas pensam, sentem e tomam decisões. Mas afinal, como exatamente a neurociência cognitiva se conecta ao marketing? E por que essa união é tão poderosa? Neste artigo, vamos mergulhar nesse universo de maneira detalhada.

A neurociência cognitiva é uma área interdisciplinar que une princípios da psicologia, biologia, neurociência e ciência da computação para entender como o cérebro realiza processos mentais como percepção, memória, linguagem e tomada de decisão. Diferente da neurociência tradicional, que pode focar em estruturas biológicas específicas, a neurociência cognitiva busca decifrar os mecanismos neurais que sustentam funções cognitivas complexas.

Ou seja, ela tenta responder perguntas como:

  • Como o cérebro processa uma informação visual?
  • O que acontece no cérebro ao tomar uma decisão de compra?
  • Como as emoções influenciam nossas escolhas racionais?

O neuromarketing nasce da aplicação direta dos princípios da neurociência cognitiva no campo do marketing. Trata-se do uso de tecnologias e conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro para entender — e influenciar — o comportamento do consumidor.

Técnicas como ressonância magnética funcional (fMRI), eletroencefalograma (EEG), eye tracking (rastreamento ocular) e medição de respostas galvânicas da pele são utilizadas para medir reações inconscientes a anúncios, produtos e marcas.

Como aplicar ao marketing?

A expectativa é que o mercado de neuromarketing aumente de 25,91 (US$ bilhões) em 2024 para 45,3 (US$ bilhões) até 2035. O CAGR (índice de crescimento anual composto) do mercado de tecnologia de neuromarketing é projetado para ser de 5,21% no período estimado (2025-2035). Veja como está sendo aplicado ao marketing:

1. Entendimento da atenção

No marketing, capturar a atenção é o primeiro grande desafio. A neurociência cognitiva estuda como o cérebro decide no que prestar atenção e por quanto tempo. Através de estudos de atenção seletiva e processamento sensorial, o marketing pode criar anúncios e layouts que destacam elementos essenciais e guiam o olhar do consumidor de forma estratégica.

Exemplo prático:
Marcas utilizam cores vibrantes, sons inesperados ou movimentos sutis para quebrar o padrão e capturar a atenção instantânea do público.

2. Tomada de decisão

A decisão de compra é muito menos racional do que acreditávamos. A neurociência mostrou que áreas emocionais do cérebro, como a amígdala e o córtex pré-frontal ventromedial, estão altamente envolvidas em escolhas de consumo.

O marketing, ao entender esses mecanismos, pode:

  • Reduzir a carga cognitiva, simplificando opções;
  • Usar gatilhos emocionais em campanhas;
  • Criar experiências de marca que geram sentimentos positivos, aumentando a propensão à compra.

3. Emoções e memória

Conteúdos que provocam emoções intensas são mais facilmente lembrados. Esse princípio se chama consolidação emocional da memória. No marketing, isso significa que propagandas emocionantes têm maior chance de serem recordadas e associadas positivamente à marca.

Exemplo prático:
Campanhas como as da Coca-Cola (“Abra a Felicidade”) focam em emoções universais para criar memórias afetivas duradouras.

4. Construção de marcas

A branding eficaz ativa redes neurais ligadas à identidade, valores e experiências passadas do consumidor. A consistência de uma marca — nas cores, na voz, nas imagens — cria atalhos cognitivos (heurísticas), tornando decisões de compra mais automáticas.

Insight interessante:
O logotipo da Apple, por exemplo, ativa regiões cerebrais associadas à inovação e prestígio, mesmo antes de qualquer avaliação consciente do produto.

5. Preço e percepção de valor

A percepção de preço também é altamente influenciada pela forma como o cérebro processa informações. A dor do pagamento é uma sensação real, registrada na atividade da ínsula. Estratégias como “R$ 9,99” em vez de “R$ 10,00” reduzem essa dor, facilitando a compra.

Além disso, ancoragem de preços e ofertas por tempo limitado são técnicas que exploram a irracionalidade cognitiva em relação a valor percebido.

6. Storytelling e narrativas

O cérebro humano é naturalmente programado para se conectar com histórias. A neurociência cognitiva mostra que uma boa narrativa ativa múltiplas áreas cerebrais, aumentando a empatia e o engajamento.

No marketing, o uso de storytelling:

  • Cria identificação emocional;
  • Aumenta o tempo de atenção;
  • Melhora a retenção da mensagem.

A neurociência cognitiva revela que as emoções são fundamentais nas decisões de compra. Um estudo liderado por Lindstrom, empresa de refrigerantes, investigou o impacto do preço nas escolhas dos consumidores através de ressonância magnética funcional, analisando como o cérebro reage durante a decisão de compra. O estudo mostrou que preços elevados ativam a amígdala, área cerebral ligada às respostas emocionais, criando maior percepção de valor. E, mesmo quando a qualidade dos produtos era idêntica, os consumidores consideraram os itens mais caros como mais valiosos.

A partir desses insights, a empresa ajustou sua estratégia de preços, elevando ligeiramente o custo de produtos de categorias médias e altas para insinuar maior valor. O resultado foi um aumento expressivo nas vendas. Esse caso mostra como a neurociência cognitiva pode decifrar as reações do consumidor frente a preços, aprimorando táticas de marketing.

Além disso, a neurociência cognitiva destaca a influência do branding nas decisões de compra. Pesquisas indicam que a familiaridade e a conexão emocional com uma marca ativam regiões cerebrais associadas à confiança e preferência. Outro estudo de Kevin Lane Keller, professor na Tuck School of Business, sobre o “Modelo de Hierarquia das Necessidades do Consumidor” investigou isso mais a fundo.

Keller apresentou um modelo que define cinco níveis de necessidades: funcional, simbólico, experiencial, relacional e autoexpressão. Marcas que atendem amplamente a essas necessidades criam vínculos mais profundos e duradouros. Uma marca bem-sucedida não só cumpre funções básicas (como qualidade e conveniência), mas também oferece significado simbólico ou emocional que permite a autoexpressão ou facilita conexões interpessoais.

O estudo evidencia que a ativação de áreas cerebrais ligadas às emoções, como a amígdala e a ínsula, pode moldar as reações emocionais dos consumidores em relação a uma marca. Ao evocar emoções positivas, a amígdala forja uma ligação emocional com a marca, influenciando diretamente a preferência do consumidor.

Algumas ferramentas que unem neurociência e marketing:

  • fMRI (Ressonância Magnética Funcional): Mapeia áreas ativas do cérebro durante estímulos;
  • EEG (Eletroencefalograma): Monitora ondas cerebrais em tempo real;
  • Eye Tracking: Analisa onde o consumidor olha primeiro e por quanto tempo;
  • Face Coding: Interpreta microexpressões faciais para avaliar emoções;
  • Medidas de Condutância da Pele: Avaliam excitação emocional involuntária.

Essas tecnologias permitem que as marcas otimizem campanhas, embalagens, websites e até o layout de lojas físicas com base em dados cerebrais reais.

Embora poderoso, o uso da neurociência no marketing levanta questões éticas. Há debates sobre:

  • Privacidade cerebral: Até que ponto é ético acessar emoções e desejos inconscientes?
  • Manipulação inconsciente: Existe o risco de influenciar comportamentos sem que o consumidor tenha plena consciência.

Por isso, organizações como a Neuromarketing Science & Business Association (NMSBA) defendem práticas éticas e transparentes. A neurociência cognitiva vem revolucionando o marketing, fornecendo um mapa mais preciso de como o cérebro humano responde a estímulos comerciais. 

Marcas que aplicam esses conhecimentos de forma responsável conseguem criar campanhas mais eficientes, produtos mais desejáveis e experiências mais memoráveis. O futuro do marketing passa, sem dúvida, pelo entendimento cada vez mais profundo da mente humana. Em vez de apenas “falar com o consumidor”, as empresas do futuro dialogarão diretamente com seu cérebro.